terça-feira, 24 de abril de 2018

O AUTO PROCLAMADO ESTADO DO INTERIOR 2 (CONTINUAÇÃO)

Penso que os Transmontanos não se revêem na recomendação Salazarista de que “os pobres devem saber ser pobres” mas também não os vejo, de forma alguma, na postura de “chulecos” valendo-se de expedientes tácticos para ir buscar mais “algum”. Também não os vejo como os “moderados” do Maio de 68 que aconselhavam “Sede realistas! Pedi o impossível!” Mas ainda os vejo menos como uns parolos reconhecidos com o estatuto de burro ou de vaca Mirandesa com que o “Movimento pelo Interior” os quer brindar quando vaticina que “sem subsídio não ides lá”. Os Transmontanos são orgulhosos demais para aceitarem esmolas mas também são suficientemente humildes para aceitarem, como bem vinda, qualquer ajuda quando sozinhos não logram alcançar. Não aceitamos qualquer estatuto de excepção ou de privilégio  pois seria o reconhecimento da nossa incapacidade, da nossa incompetência. ( “Não queremos o peixe mas queremos que nos ensinem a pescar”). Somos como somos, temos o que temos mas temos, sobretudo, a obrigação de o saber rentabilizar. E para rentabilizar as nossas potencialidades não nos envergonhamos de pedir às “cabeças iluminadas” (espero que por Deus que não, só, pela luz elétrica - O. Salazar) ajuda para remover dificuldades. Darei alguns exemplos de empreendimentos que teimam em não se realizar pela falta de conjugação de esforços e que poderá ser um teste às capacidades dessas figuras públicas. Assim queiram elas.
1- Não temos uma estrutura agro-industrial desde que o Cachão fechou. Como se sabe a falta de estruturas de recolha da produção agrícola leva ao abandono da produção. Claro que a transformação deve ser o passo a seguir à produção. Só que, se além falhámos, aqui falhamos mais. Este falhanço ganha especial relevância quando falamos na castanha. Vêmo-la ir sem lhe tirar o sumo. Não resisto a relatar o que vi e ouvi numa feira de produtos da terra que a televisão transmitiu. Foi assim: dois empresários italianos do ramo da castanha, com fortes negócios aqui no Nordeste, exibiam um pacote de “bombons” de castanha, o mais recente produto das suas indústrias transformadoras. Quando o entrevistador televisivo lhes perguntou onde poderia comprar um pacote desses “bombons”, responderam “ não, para já é só para Itália”. Fiquei indignado mas também envergonhado. Indignado por ver a arrogância daqueles italianos que levam daqui a matéria prima e sem o mínimo de elegância dizem-nos, na cara, que o produto acabado não é para indígenas. Mas também fiquei envergonhado porque quem tinha obrigação de fazer aqueles bombons eramos nós. Eu sei que os não sabemos fazer mas podemos ir buscar quem saiba. O Eng. Camilo de Mendonça para fazer as compotas no Cachão também foi buscar Mestres ao estrangeiro.
2- A falta de dimensão das explorações agrícolas não permite uma mecanização eficiente o que aliada à falta de escala trás produtividades abaixo do sofrível. Sem competitividade logo com baixos salários, o abandono da actividade é a saída. O emparcelamento, não sendo panaceia, daria outro fôlego ao sector. Mas o emparcelamento não é coisa que nós possamos fazer, isso é coisa da política. Ora, é mesmo à política que nós devemos este atraso ancestral, esta política de minifúndio, esta agricultura de canteiro. A falta do emparcelamento, logo a falta de dimensão, acarretou a falta de investimento na agricultura, a manutenção do paradigma agrícola, em suma o atavismo. Mas os políticos sempre  tiveram medo ao emparcelamento. Acho que já é altura de sacudir esses receios e para isso contamos com a prestimosa colaboração dos nossos “chefes de turma”.
Por outro lado, os nossos baldios, excluindo a parte alocada às Matas Nacionais, não produzem rigorosamente nada. E não se pense que é despiciendo pois Bragança mais Vila Real têm aproximadamente 120.000 hectares de baldios. Ponham esses hectares nas mãos de quem sabe e os quer trabalhar. Mas isso também não é tarefa nossa, é da Política. Aceitamos ajuda.
3- Trás-os-Montes recebeu uma prenda de luxo e não sabe o que há-de fazer com ela. Trata-se de 100 km de zona ribeirinha na albufeira do baixo Sabor. A albufeira, com 50 km de comprido, é um espelho de água imenso onde se pode fazer pesca, caça, mergulho, sky aquático, náutica de recreio, motonáutica de competição isto tudo contando com o apoio logístico dos bares, das praias, dos restaurantes, dos parques de campismo, etc. É estranho que, sendo mais ou menos consensual a ideia que o turismo é uma das poucas hipóteses de desenvolvimento sustentado que temos, ninguém mexa uma palha.
4- Moncorvo tem sido muito falado pela hipótese de reabertura das minas de ferro. Os jornais trouxeram escalpelizado o assunto do escoamento do minério para a siderurgia do Seixal. Vantagens e inconvenientes do escoamento por rodovia, pela via fluvial ou pela ferrovia. Por fim assentaram que o escoamento se fará por rodovia até Vila Franca das Naves e daí seguirá por ferrovia até ao Seixal. Ora, o que me faz confusão é terem estudado até à exaustão o escoamento do minério para a siderurgia do Seixal e nem uma linha, nem um pensamento sequer, sobre a possibilidade de trazer a siderurgia para Moncorvo apesar das imensas vantagens que isso traria para a região. Nem aos autarcas, sempre tão zelosos dos interesses dos seus municípios, lhes ouvi aflorar essa hipótese. E não é novidade nem deve ser difícil. Não é novidade pois em tempos houve os altos fornos da Campeã-Vila Real que era onde descarregava o minério de ferro de Guadramil. Além disso se se pensa que a deslocalização da siderurgia é “um bicho de sete cabeças” eu lembro que o dono da siderurgia, há um ano ou dois, ameaçou mudá-la para Vigo se lhe não fizessem um determinado preço na electricidade. É porque não deve ser muito difícil.  5- A mobilidade em automóvel com propulsão eléctrica será, dizem, a 4ª revolução industrial. A peça fundamental desse veículo é a bateria de lítio. Ora, segundo a empresa mineira Dakota Minerals, Portugal possui em Montalegre, na Serra de Arga e Barca de Alba as maiores reservas de Lítio da Europa. Isto devia ser motivo bastante para que as Câmaras, os Politécnicos, as Universidades instituíssem prémios, criassem bolsas de estudo, contratassem Professores e peritos estrangeiros, enfim, que de uma forma ou outra fomentassem a investigação na aplicação do Lítio às baterias. É absolutamente fundamental que quando o Lítio sair da mina haja pessoal especializado de maneira a prosseguir os procedimentos que constituiriam a fileira do Lítio. Em suma: da mina à bateria seria tudo trabalho nosso com a arrecadação das respectivas mais valias para não falar na colocação de mão de obra especializada no interior. Que não aconteça ao Lítio o que aconteceu à castanha. Seria demasiado mau.
Pelos vistos, algumas nozes, ainda, há. Temos de compor os dentes.

Manuel Vaz Pires
in:jornalnordeste.com

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