terça-feira, 30 de janeiro de 2018

ÁGUA MOLE... PSITACISMOS

Próprio de inúmeras espécies vivas e parte apreciável da sua aprendizagem, imitar é para a nossa tão útil que será difícil, ao fim de um dia qualquer, lembrarmo-nos de algo que tenhamos feito não aprendido dessa forma. Os comportamentos imitativos têm ainda a vantagem de ser socialmente aceitáveis, facultando desse modo sentimentos de inclusão, proteção, a segurança do rebanho.
Mas imitar também traz riscos. A tendência para o fazer é tanto maior quanto menor for o autoconhecimento, quer a nível individual quer coletivo. Ora o que nos identifica é o que mais ninguém tem. Por isso, se ao reproduzir não juntarmos o tempero da reflexão e da personalidade, estamos apenas a responder a estímulos, como os cãezinhos de Pavlov, a ser robôs. E em íntima ligação com isto, é sabido que a liberdade pessoal diminui na razão inversa da normalidade, de maneira que, embora sob os riscos da punição do grupo, os que têm a coragem de ser eles próprios são também os mais livres. O maluco é muitas vezes aquele que, não se cingindo a copiar, se desvia tanto quanto possível de condutas uniformizadas.
As ações de cada um tendem assim a ser uma linha média entre a permeabilidade às forças e pressões externas e a capacidade crítica perante elas. Acontece que, no que nos diz respeito, somos bem mais inclinados a plagiar do que a refletir. Basta pensar nos tiques de linguagem que de repente desatamos a repisar para nos sentirmos “in”, nos gestos estereotipados que fazemos ao apanhar uma câmara pela frente, no afã com que, para aparecer no Guiness, construímos o maior seja o que for do mundo, na paixão com que nos deixamos pescar pelas redes sociais, na forma como acatamos cegamente as modas do vestuário mesmo se nos propõem algo tão disparatado como andar esfarrapados. No meu prédio os carros não cabem nas garagens e são forçados a manobras árduas porque as dimensões destas obedecem a um modelo trazido sabe-se lá de onde.
Mas não era bem aí que queria chegar, até porque há coisas mais e menos ponderosas. É já proverbial o caso de uma das nossas vilas que possui uma larga avenida de alto a baixo com uma série de belas rotundas, vitais para a fluência do tráfego, onde não falta absolutamente nada a não ser o próprio tráfego. Sucede que a rotunda se tornou um cliché para obter votos, qualquer quinta faz questão de ter a sua e aquela gente não quis ser menos que as outras. Aborrecido é que, para mal dos nossos pecados (e bem da dívida) este anedótico caso está longe de ser único, a insensatez conta-se por milhares, por todo o lado.
Os de Arçanha-de-cima arranjaram que o presidente lhes erguesse um pavilhão desportivo todo apetrechado mesmo que, com a escassa gente da terra, não se enxerguem grandes eventos para lá fazer? Que importa, os de Arçanha-de-baixo, não se querendo ficar atrás, e sob a tácita ameaça de não votarem no partido nas eleições seguintes, exigem um superior e mais moderno. E conseguem-no.
Um autarca vê algures um belo campo de futebol de cinco com o que há de melhor e o faz recuar ao seu imaginário infantil? Não está com meias medidas e toca de construir um igual na sede da junta. Até podia dar-se o caso feliz de tal equipamento ser usado para fazer as delícias de uma série de garotos. Mas ocorre esta coisa bizarra de não haver no sítio nenhum garoto, nem sequer um para amostra, é extraordinário.
Noutra aldeia faz-se um parque de merendas junto ao rio, num local concorrido, uma bela ideia para os piqueniques de verão tanto para locais como visitantes? Logo os outros povos do concelho pedem parques de merendas. E eles prontamente aparecem, bem arquitetados, com bons materiais, mesmo que não haja rio, nem sombras, e seja pouco provável que apareça lá alguém para merendar.
Os exemplos, todos com o seu quê de risível, poderiam amontoar-se. Avanço só mais um, referido à cidade. Entre as décadas de setenta e noventa vivi nos dois grandes centros do país. Acontece que, nessa altura, tanto num como noutro a invasão automóvel era caótica, sendo muito comum ver os carros fazer dos passeios parque e atirar com os pobres peões para o meio das ruas. Foi para acabar com o abuso que sensatamente se decidiu colocar aqueles pinos que toda a gente conhece.
Mas aqui, não me lembro de alguma vez ter sido hábito estacionar dessa maneira. E como neste caso os bonecos conseguem juntar o inútil ao desagradável, não estou a ver outro motivo a não ser que alguém se tenha deixado encantar por eles. É isso. Assim não vamos lá.



Eduardo Pires
in:jornalnordeste.com

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