quarta-feira, 23 de novembro de 2016

Lendas do Concelho de Vinhais

A moura encantada e o lenhador

À meia noite do dia de S. João, o curioso poderá ouvir em diferentes rochas da região [de Souane] o tac-tac surdo de velhos teares de amoreira e o vai-vem da lançadeira através de dourados fios de seda, impelida pelas formosas mãos de lendária moura encantada.
Um dia, um lenhador, percebendo o rodopio de um sarilho, aproximou-se da alta penedia e viu uma linda compatriota de Tárique a transformar as fartas maçarocas em sedosas meadas. E pôde ver que, terminada a tarefa, a novo trabalho deu começo: colocar sobre a dobadoura as meadas e enovelar os delgados fios, ao mesmo tempo que molhava os dedos lassos no límpido arroio que lhe corria aos pés. E, como não conhecia o regulamento dos encantos, ou, talvez, levado pela beleza inexcedível da donzela, foi-se aproximando, dirigindo-lhe carinhosa fala.
De repente, o fio partiu-se, o fuso de ouro caiu na corrente murmurante, e, com surpresa, observou a pobre moura a fugir para a misteriosa galeria da rocha, de tranças soltas ao vento, a chorar, com a encantação dobrada. É que ela havia-se esquecido de molhar os dedos na água, humedecendo-os de saliva, e, por isso, o fio partiu, e ela recolheu, apressada, para o encantamento, não sem ter tempo de levar os pentes cravejados de rútilos diamantes com que tinha alisado as louras madeixas.

Fonte: MARTINS, Firmino – Folclore do Concelho de Vinhais, vol. 1, Câmara Municipal de Vinhais, 1987, pp. 277-278


A moura no rio Mente

Na Forjinha, termo de Vilar Seco da Lomba [concelho de Vinhais], há numa fraga um buraco com escada cavada na rocha, onde, segundo a lenda, entrou um cão e foi sair à margem do rio Mente, alguns quilómetros distante. (...) Também aparecia uma moura às pastoras, com vestidos brilhantes, dizendo-lhes:
– Trocai a vossa pobreza pela minha riqueza.
Outras vezes via-se a lavar roupa no rio Mente.

Fonte: ALVES, Francisco M. – Memórias Arqueológico-Históricas do Distrito de Bragança, Vol. IX, Porto, 1934, pp. 499-500.


A moura de Cidagonha

Na aldeia de Moimenta, concelho de Vinhais, há um lugar com sinais de antigas fortificações conhecido por Cidagonha, e a que o povo também chama “cidade dos mouros”. Diz a lenda que vivia ali uma princesa mourisca encantada que, ora aparecia a pentear os seus cabelos com um pente de ouro, ao luar, ora a tecer num tear de ouro, cujo bater compassado dos pentes na teia e o ruído dos pedais poderiam ouvir-se na povoação em noites calmas. Outras vezes poderia ouvir-se a referida princesa cantar melodiosas canções de saudade, cujas palavras não seriam perceptíveis.
Segundo a lenda, o tesouro seria constituído pelo tear, o pente e muitos outros utensílios e jóias da princesa, incluindo um manto, tudo em ouro. Mas tratando-se de um tesouro encantado, este só poderia ser descoberto por pata de ovelha e ponta de relha.

Fonte: MARTINS, João Vicente – Moimenta da Raia – uma aldeia comunitária em evolução e mudança, Braga, Ed. Autor, 1995, p. 83


A lenda de Igreja de S. Facundo

A Igreja de S. Facundo [na vila de Vinhais] é um templo venerando pela sua arquitectura, tradições e antiguidade. Foi a primeira matriz desta paróquia e das paróquias circunvizinhas até muitas léguas de distância, pois é considerada como a igreja mais antiga deste bispado. (...)
Diz a tradição que os Santos Facundo e Primitivo, cavaleiros galegos, sendo perseguidos pelos mouros depois de um combate, se acolheram na dita igreja e nela permaneceram algum tempo, e que, em memória deste facto, sendo depois martirizados e canonizados, se deu à dita igreja o título de S. Facundo(78).

(78) Segundo Firmino Martins, Facundo foi um heróico oficial do exército cristão na luta contra os bárbaros que invadiram a Península. Este autor está, por isso, em desacordo com Pinho Leal que, ao apresentá-lo como tendo sido perseguido pelos mouros, o situa, desde logo, num tempo muito distante daquele. Escreve sobre este oficial Firmino Martins: “Logo que soube da marcha através da Península do bárbaro conquistador, saiu com um punhado de cristãos ao seu encontro; vendo impossível a resistência, recuou desde as montanhas da Galiza até à povoação antiquíssima de Crespo, hoje extinta, a que corresponde em parte o actual bairro do Eiró [em Vinhais], onde se travou sangrenta batalha; os bárbaros, em maior número, derrotaram o exército cristão, aprisionando S. Facundo, que mataram às punhaladas” (1987: 101)

Fonte: LEAL, Pinho – Portugal Antigo e Moderno, vol. 12, Lisboa, Livraria Editora de Mattos Moreira & Companhia, 1890, pp. 149-150.

Mouros Míticos em Trás-os-Montes – contributos para um estudo dos mouros no imaginário rural a partir de textos da literatura popular de tradição oral.

Alexandre Parafita

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