terça-feira, 29 de dezembro de 2015

O PHAROL TRANSMONTANO

O PHAROL TRANSMONTANO: periódico mensal de instrução e recreio (Bragança, 1845-1846) – Foi o primeiro jornal a ser impresso em Bragança; de caráter regionalista e periodicidade mensal, publicou o primeiro número em setembro de 1845, e terminou em agosto de 1846 com o número doze, conforme consenso geral nas fontes consultadas. A sua direção, composta por um corpo de três redatores, por vezes assina “Os RR.” No entanto, informa-se os leitores do jornal que os “artigos da redacção ou vão sem assignatura, ou indicados com as seguintes letras iniciais – A.J. – A.F. de M.P. [António Ferreira de Macedo Pinto] – D.A. – para differença daqueles que nos forem communicados”. Seguem-se “As condicções de assignatura” com o preço anual de “960 réis”, e o custo avulso de “120 réis” (n.º 1, p. 2).
Inocêncio Francisco da Silva, no seu dicionário, referencia O Pharol Transmontano como uma publicação de “Bragança, Typ. de D. A. de Sá Vargas, 1845. – Vi, e tenho deste periódico 24 numeros no formato de 4.º, com 182 pag. – Nelle se compreendem numerosos artigos de interesse scientifico e litterario, assignados com as iniciais do sr. Macedo Pinto, que foi um de seus fundadores e principaes redactores.”Os “24 números” referidos correspondem na verdade a 24 cadernos tipográficos, dois por número; a coleção totaliza 192 páginas, e não 182 (provável erro tipográfico).
De acordo com Maria da Conceição Meireles Pereira, O Pharol Transmontano foi o primeiro jornal impresso em Bragança, cidade que, em sequência, entra na história da imprensa periódica, acrescentando que o periódico “sublinhava, no programa que previamente distribuiu, os seus objectivos primordiais”. A autora refere que, além do periódico publicar artigos de “humanidades (biografias, excertos dos clássicos, história e património) e da útil sinopse de leis, portarias e decretos extraída do Diário do Governo”, a maioria é de teor “técnico-científico – agricultura, pecuária e indústrias – patenteando a divulgação das últimas descobertas e aperfeiçoamentos, bem como a reivindicação de novos métodos agro-industriais […]”.

Acrescenta-se, na primeira nota deste texto, que “o Abade de Baçal afirma que o periódico durou até 1847.”
João Carlos de Vilhena e César Mesquita, na sua tese de mestrado defendida em 1997 na Faculdade de Letras Universidade do Porto, onde investigou graficamente as publicações periódicas portuguesas entre 1820 e 1850, escreveu: “periódico de natureza literária O Pharol Transmontano, cujo preço era de 120 reis, tendo como director António Ferreira de Macedo Pinto. Este periódico, que teve 12 números, apresentou 3 xilogravuras […]”.
O autor também menciona que duas representam “animais, de uma forma tosca” e que a outra representa “um instrumento agrícola (gadanha)” cuja “vertente artística assumiria uma importância apenas relativa”, pois a “temática está directamente ligada ao próprio meio rural onde este periódico era publicado […].”

Acrescentamos que as xilografias não se encontram assinadas, e ilustram os textos: “O Alpaca” e “O Lince ou Lobo Cerval” de A.F. de M.P., o redator principal (p. 20, p. 69); e “A Gadanha Alemãa” por D.A., outro redator do periódico (p. 180). 

PROGRAMA DO CORPO REDATORIAL

Os redatores, assinando “Os RR.” abrem o periódico com o texto “O Pharol”, defendendo o aumento da instrução para os portugueses poderem atingir o “grande fim de completa regeneração, e para subirem ao maior gráo de prosperidade e civilização”; afirmam que é indispensável que as “sociedades modernas” tenham o auxilio da “imprensa, com especialidade a imprensa periodica, que derrama a sua luz até ás classes mais baixas, e mais numerosas, e popularisa entre ellas os principios, as verdades, e as mais uteis applicações das sciencias, e das artes, despidas da lingoagem technica, que mal comprehenderiam” […].

No mesmo texto refere-se o atraso civilizacional de Portugal, o qual este jornal tem intenção de mudar. Menciona, alegoricamente, que “não é raro encontrar os rochedos escarpados da preocupação, e da ignorância, contra os quaes vão frequentemente naufragar o agricultor, o artista, e o comerciante, &c. Aqui pois acendemos o nosso Pharol – O PHAROL TRANSMONTANO”.
Quanto aos conteúdos, os redatores prometem “empenho, dando noticia dos inventos, descobertas, e aperfeiçoamentos, que julgarmos de prestimo, nas sciencias, nas artes, e na industria: artigos sobre a historia Natural e Politica, com particularidade dos objectos peculiares a esta Provincia, dignos de serem notados, taes como os animaes, vegetaes, mineraes, monumentos e noticias da antiguidade […]”, sempre interligados com a prática da agricultura.
O texto termina com os redatores esperançosos em aumentar as duas folhas de impressão (16 páginas) por cada número do periódico, e em ilustrar artigos “para mais fácil e clara intelligencia de sua materia” (pp. [1] -2).

ENQUADRAMENTO DOS CONTEÚDOS

António Ferreira de Macedo Pinto (A.F. de M.P.), descrito como o redator principal ou o diretor de O Pharol Transmontano, foi o seu maior dinamizador e colaborador. Liberalista convicto, publica um “Soneto” de 1843, em “Commemoração. Oito de Julho 1832. O Desembarque de D. Pedro nas Praias do Mindelo” (p. 175).

O Dr. Macedo Pinto também redige inúmeras notícias úteis de caráter científico de sua autoria, ou retiradas de outros periódicos, como: “Necessidade de renovar a materia vacinica”, “Aerolithes em Traz-os-Montes”, “Secreção artificial do leite” e “Novo modo de empregar a creosote na conservação das carnes, e do pescado” (n.º 1-n.º 12). Merece destaque a sua colaboração nas rubricas “Hygiene, e Salubridade da Infancia” (n.º 9-n.º 11), “Ephemerides da historia Portugueza” (n.º 5-n.º 11), e o moralista “O Collar da Finada. Romance contemporâneo”, como sua “primeira tentativa” e publicado em continuação (n.º 5-n.º 9).
Antes, no artigo “O Romance”, em voz plural, lê-se: “Os Redactores do Pharol Transmontano, avaliando devidamente a missão e os deveres, que incumbem a todo o escriptor publico, e com particularidade á imprensa periodica, decidiram reservar nas paginas do seu jornal um logar, no qual, a exemplo de nossos Literatos, offerecessem a seus leitores algum alimento para o espirito, que nem tudo se há de dirigir ao corpo, embora as tendencias do seculo sejam essas”; e por estar a la moda, o “Romance – esta forma inseparável da nova literatura, este aspecto brilhante da arte moderna, que insinuando-se por entre as turbas lhes póde, e deve levar, a dissiminar a doctrina, e a ilustração em todos os ramos.” Segue-se que, do romance histórico “possuímos já hoje dois modellos de que nos devemos vangloriar, e que affoitos podemos mostrar a estrangeiros: fácil é de vêr, que fallamos do Eurico [1844, de Alexandre Herculano], e do Arco de Santa Anna [1845, de Almeida Garrett; 2º v, 1850].” Depois, os redatores anunciam: “Será pois um Romance contemporaneo que vamos escrever” (n.º 5, pp. 73-74).
Paralelamente, António Ferreira de Macedo Pinto, pertencia à direção da “Sociedade Agricula do Distrito de Bragança”, criada pelo “Decreto de 20 de Setembro de 1844, assim como Diogo Albino de Sá Vargas (D.A.) e António José Teixeira (A.J.), provavelmente são os nomes dos outros redatores do periódico, nomeados no artigo de D.A. que anuncia o início do funcionamento da sociedade em “princípios do mês de Março” de 1845 (p. 7).
Na nossa opinião, o associativismo cultural gerado pela sociedade referida, impulsiona o lançamento do jornal que abre com a secção “Agricultura”, com a exceção do seu primeiro número. Esta rubrica, escrita por A.J., conta com D.A nos números seis e sete do periódico.
Logo no seu primeiro texto em “Agricultura”, A.J. afirma que “na ordem de todas as industrias sociaes, a agricultura occupa o primeiro logar […]”; e que a “importância real, que presentemente se dá á agricultura, ou se considere como arte, ou como sciencia, em cujo caso recebe mais privativamente o nome de agronomia, é imensa”. Sendo um dos redatores, A.J. diz que seria imperdoável se “na tarefa, que emprehendemos, ficassemos silenciosos sobre o primeiro elemento da prosperidade para o Paiz, para esta Provincia e para o nosso Districto com particularidade […]” (pp. 2-3).
D.A. (?), além de redator, colabora com crónicas históricas e científicas: “Causas da decadencia politica e social da Hespanha” (pp. 25-27), “Cultura do arroz” (pp. 83-84), “Questão dos cereaes em Inglaterra” (pp. 89-91), etc.
No jornal, refere-se que a “instrucção em razão de quaesquer cargos Publicos”, justifica a publicação da “Synopse da Legislação […]”, secção que fecha o jornal, com exceção dos números oito e doze. O número oito porque termina com a resposta à crítica do jornal “Illustrador8 (n.º 31)” sobre o verbo «ermar» (p. 128), e o último número, o doze, finaliza com o texto “Um genio d’artista …” sobre um marceneiro pobre e artista local numa “ingrata pátria” (p. 192). Antes, publica-se a lenda “Florette” traduzida por M.C.F.D., “esposa de um artista desta Cidade” e única colaboração feminina, segundo a “nota (1)” de “Os RR” (p. 190).
Dos conteúdos de teor literário, e apesar das assinaturas dos autores em iniciais, destacamos: “O Cantaro d’Agoa. Chronica do Século XIV” de J.P. de M.S., investigador local que diz “fazer popular a nossa historia” para o progresso da sua “Provincia” (n.º 1-n.º 4); “Aventuras de Mistress Inchbald” de P.C.F., tradutor deste conto moralista (n.º 10-n.º 12); “Breve noticia genealógica da familia dos Moraes” de F.X.G. de S., sobre o convento de S. Francisco na cidade de Bragança (pp. 142-143); e “Lyra” de J. do C.S.T., o segundo poema deste periódico (pp. 154-155).
A rubrica “Variedades”, em letra maiúscula, compunha-se de pequenas notícias do estrangeiro ou nacionais como “Lobos damnados” (p. 79) e “Homens damnados” (continuação solta na p. 127) de António José Garcia; resumidas crónicas históricas ou tabelas de preços de cereais (n.º 1, n.º 3-6); incluía, até terminar no sexto número, a secção “Bibliographia” que divulgava livros de teor variado ou integrava crítica literária (n.º 1, n.º 4-6). No oitavo número do periódico, a secção “Bibliographia” reapareceu com um anúncio à Revista Económica (Lisboa, 1846); depois intitulou-se “Bibliographia Religiosa” elogiando os periódicos Jornal da Sociedade Catholica (Lisboa, 1844-1853) e o Religiozo (Lisboa, 1846); e “Bibliographia Dramatica” com uma lista de quase “112 peças de teatro” publicada na contemporânea “Revista Univ. Lisb. Vol. 5.º serie 3.ª art. 404 e 4209 ” (n.º 10-n.º 11).
Contabilizámos cerca de doze colaboradores no periódico, mas apenas conseguimos identificar o seu redator principal que assinou sempre A.F. de M.P., provavelmente o responsável pela maioria dos conteúdos publicados serem pedagógicos e de natureza técnico-científica.

ESTRUTURA GRÁFICA

O Pharol Transmontano apresenta um frontispício simples, no início de cada número, com o título principal em letra maiúscula de maior dimensão, a respetiva numeração e data (mês e ano). No fim das primeiras páginas, encontra-se a indicação de “Tom. I”, e em cada quarta folha, o periódico tem outra numeração (1 a 24), que identifica os cadernos tipográficos.

O periódico, de 25 cm de altura e impresso a duas colunas, tem pouca ilustração e não é colorido. Separados por pequenas linhas centrais, os textos sucedem-se, encabeçados pelos seus títulos em maiúsculas, exceto os três ilustrados pelas xilogravuras. Com paginação contínua, não incluída nas suas primeiras páginas, cada número contém dezasseis páginas. Sem fim anunciado, desconhecemos as razões do seu término.

CONTEXTO SOCIAL

José Mattoso, historiador, escreve que Garrett e Herculano eram os “líderes simbólicos das gerações românticas e liberais”. E acrescenta que para “compensar a debilidade da rede escolar e até a resistência das populações intensifica-se a actividade jornalística, poderoso meio de socialização política e ideológica, de formação e informação dos cidadãos.” Ainda de acordo com este historiador, no liberalismo, a imprensa e a escola apontam-se como os “principais instrumentos civilizadores”.
Em Portugal, a revolução liberal pretendia o progresso económico que passava pelo aumento da instrução. E uma sociedade instruída adquire mais conhecimentos da história dos territórios, do património nacional, etc. É neste âmbito regionalista e patriótico, que situamos O Pharol Transmontano.


Por Helena Roldão
Lisboa, Hemeroteca Municipal de Lisboa, 30 de abril de 2015

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