sábado, 25 de julho de 2015

FAVA, em Comeres Bragançanos e Transmontanos

“Vai à fava”


Expressão corrente em terras bragançanas – vai à fava – que segundo o Abade de Baçal “parece ter equivalentes”, mas por tão conhecidas afigura-se desnecessário lembrá-las. Nas Memórias, Tomo XI, o Senhor Abade dá conta de este legume ser “célebre pelas cerimónias supersticiosas que dele se usava”, lembra a repulsa de Pitágoras ante as favas. No segundo volume do mesmo Tomo, corrige a informação baseado em Luciano, autor da História Verdadeira, pois o fabulista afiançava que o matemático, “tinha-as por veneráveis, sendo profanação expô-las em certas noites, depois de cozidas, aos raios da lua, porquanto, de mais a mais, por favas se fazia a contagem dos votos na eleição dos magistrados.” Aristóteles em Fragmenta Selecta, 5, e Diógenes Laércio explicam as razões da aversão de Pitágoras contra a fava, além de ser uma planta sem nós, tem parecença com as partes pudendas dos homens, é destrutiva do nosso organismo dizia o matemático pai dos pitagóricos.
Na História Natural, Plínio o Velho prefere dizer que os pitagóricos não comiam favas a fim de não serem inquietados e lhe causassem variedade de sonhos, além de acreditarem serem os favais locais de recolhimento das almas, daí o sacrilégio ao colhe-las.
Os restantes gregos gostavam de favas, os romanos consumiam-nas preferencialmente secas, normalmente, na companhia de carnes diversas, Apícius deixou uma receita de puré de favas, da fava fala bem Plínio na citada História Natural, muito antes os persas deram a conhecê-la ao ponto de ser considerada nativa da Pérsia. Segundo Pierius os egípcios não semeavam, nem comiam favas. A fava tal como outras plantas terá tido vários berços, apontam-se os vales do Himalaia, Afeganistão e África.
Os documentos medievais dão-nos conta da cultura da fava em Portugal, a corografia confirma-o existindo dezenas de topónimos dela derivados por exemplo: Favacal, Favais, Faval, Favainho, Favaios, Favaqueira, Faveira, Casal da Fava, Monte da Faveira e Quinta da Favasga. A nível da província o Dicionário do Falar de Trás-os-Montes e Alto Douro, regista o termo favaceira, vendedora de azeite por miúdo em Mogadouro, favaco variedade de fava pequena e doce no termo de Vila Nova de Foz Côa, e favaleiro vendedor ambulante de peixe.
No Elucidário das Palavras, Termos e Frases, Viterbo acerca do termo favaceiro anotou: “Palavra que se usa em terra de Miranda e Bragança. Assim chamam ao que se obriga a conduzir ali o peixe desde os portos de mar, a que, em outras partes dizem picadeiro.” Em Setúbal, existe a Travessa da Fava recordando-nos quão grande seria o seu comércio na cidade sadina, pelo menos desde meados do século XIV, dado que quando se avolumava a escassez de cereais, frequentemente, importavam-se favas do estrangeiro para suster a penúria. Em Sociedade Medieval Portuguesa, Oliveira Marques informa-nos: “navios bretões demandavam então o Tejo com carregamentos de favas e outros legumes que iam carregar a portos franceses e ingleses. Moída para o fabrico de farinha, ou simplesmente cozinhada, a fava chegava para manter a fome até ao regresso das boas colheitas.”
No século XV já originava alcunhas e apelidos caso de Favacho em Évora, nos dias de hoje o apelido Fava não sendo corrente, não é desconhecido.
No O Cancioneiro Geral, de Garcia de Resende vem uma referência a manjar de boas favas, a fava-rica anunciava-se em alegre cantilena pelas mulheres que a vendiam nas ruas de Lisboa, servindo de aperitivo ou apelo à bebida. Na obra Contos Tradicionais Portugueses, estão coligidos os contos A velha faveira, e As Favas, indiciando o papel da fava na dieta dos portugueses.
O autor do Tratado Completo de Cozinha e Copa, Carlos Bento da Maia considera a fava-rica “um alimento dos mais simples, muito substancial e dos mais acessíveis a todas as bolsas” e, “quando são novas e tenras, são farinhentas e de um sabor agradável. Comem-se também secas, despojadas da película, sendo assim mais facilmente digeridas. Mesmo as vagens, quando são novas e tenras, comem-se cortadas aos bocados e preparadas como os feijões verdes.”
Outros tratadistas defendem que a maneira mais usual de apreciarmos as favas é em puré, a acompanhar carne de porco e enchidos de qualidade, recomendando que para o caso das favas secas as mesmas sejam postas de molho durante meio-dia, em água não calcária, propondo meio quilo por pessoa na altura de se prepararem.
Na alta cozinha francesa as ementas reais incluíam a fava, atente-se na ementa de um jantar magro oferecido pelo rei São Luís, incluída na obra Un Festin en Paroles: “A seguir deram-nos favas novas cozidas em leite, peixes e lagostins, tortas de enguia, arroz ao leite de amêndoas, salpicado de canela, enguias assadas, acompanhadas de um molho muito bom, empadas e coalhada seca, e finalmente uma quantidade de frutas.”
O Jacinto converteu-se às favas através de um arroz com elas, não cozidas em leite, mas segundo Eça cozinhadas primorosamente.
A fava é rica em hidratos de carbono e proteínas, vitaminas A, B. C e ácido fólico, fósforo, cálcio, magnésio e sódio, a riqueza em fibras concede-lhe propriedades na regularização do trânsito intestinal, abusando do seu consumo ganha-se ácido úrico recordam os dietistas.
As mulheres de Bragança ao longo dos tempos habituaram-se a ter nas favas outro elemento a ajudá-las a alimentar a prole, desde sempre as más colheitas obrigavam a nenhum produto comestível ser preterido, ora, as favas tenras ou secas são regalado pitéu para os que gostam, os desafectos comiam-nas porque não havia outra coisa.

Armando Fernandes

Comeres Bragançanos e Transmontanos
Publicação da C.M.B.

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