domingo, 26 de julho de 2015

BATATA, em Comeres Bragançanos e Transmontanos


“vão os da Serra ao Vale trocar maçãs por azeite, e vão trocar azeitonas (sem qualquer cura, tais quais se apanham da árvore) por batatas e castanhas. Também os do Vale permutam com os da Serra figos secos por batatas...”
[in Canhenho de um médico rural, de João Gonçalves]


O autor, nosso conterrâneo, profundo conhecedor do meio rural ilustra de forma incisiva o papel da batata na alimentação das comunidades bragançanas. O solo pouco produtivo, confinava-se nos altos à produção de centeio (trigo e serôdio em menor grau), nos vales mais ricos em húmus os batatais proliferavam contribuindo incisivamente para amortecer as insuficiências alimentares existentes.
Não foi fácil a adopção desta planta nova vinda dos Andes, tendo penetrado em Portugal via Espanha.
No século XVI, recebeu reticências, mesmo recusas por parte da população transmontana. O sábio Orlando Ribeiro esclarece-nos:
“A difusão dela é, porém muito mais tardia. Pelo fim do século XVIII era já conhecida em Trás-os-Montes, no Minho e na Galiza, e a Academia Real das Ciências procurava, por meio de prémios, estimular a propagação da sua cultura que, segundo um economista da época, «se fez muito mal» no ano de 1803.
Daí por diante é possível dizer, com muita aproximação, a data em que foi introduzida em certos lugares: nas serras xistentas da Cordilheira Central não se apagou de todo na memória de alguns velhos, o sítio onde, pela primeira vez foi plantada.
Por 1882, ainda em Terra de Miranda a batata era cultivada apenas para os porcos e desconhecido o emprego dela na alimentação humana. Veio provavelmente substituir o nabo e também, é de supor, em larga parte a castanha, que por essa mesma época começava a escassear.”
Não se enganou o eminente geógrafo no papel de substituição que a batata teve no alterar da dieta das gentes transmontanas, dando seguimento ao já escrito por José Leite da Vasconcelos no referente ao tubérculo vindo do Novo Mundo.
No II volume da Etnografia Portuguesa, o cientista social regista: “A batata, com o nome, veio da América, e apareceu na Europa pelos fins do XVI. A primeira vez que um lexicógrafo português falou d’ela foi, em 1647, Bento Pereira no Thesouro da Língua Portuguesa, veja-se página 19. O Diccionário de Barbosa, que se imprimiu em 1611, ainda não a menciona.” “O ser moderna entre nós faz que não haja, que me conste, um lugar cujo nome provenha d’ela. A batata é propriamente um tubérculo, mas também se chama assim à planta a par com batateira. Um campo de batatas denomina-se batatal.
Este tubérculo constitui parte importantíssima da alimentação, senão em todo o Portugal, pelo menos em quasi todo, pode afirmar-se que só se cultiva cá desde o primeiro quartel do séc. XIX, porque durante muito tempo se importava de Inglaterra. Na Beira Alta acharam semelhança à batata com a castanha, e denomina-se por tal motivo castanhola, como muitas vezes em criança lá ouvi”, acrescenta Leite de Vasconcelos. Em Noites de Lamego, Camilo homem de poucos comeres conta: “A ceia era um caldo de castanhas piladas bem adubadas de toucinho, e toucinho assazoado de batatas a que chamavam castanholas.”
Também em terras de Bragança esse termo não seria desconhecido, pelo menos em Rio de Onor não era, Jorge Dias na obra Rio de Onor – Comunitarismo Agro-Pastoril, confirma-o: “As batatas devem ser conhecidas há uns cento e cinquenta anos em Rio de Onor. Elas vieram substituir a castanha, outrora alimento principal. Por essa razão os Rionorenses chamam-lhe castanholas.”
No que tange ao seu pleno consumo no termo de Bragança, deve ter principiado a partir de 1860, porque as actas da Vereação da Câmara Municipal de Bragança, dos anos de 1853 a 1857, não mencionam a batata, no entanto, na acta com o quadro de géneros referente ao ano de 1870, aparece custando cada alqueire 80 réis. As más colheitas nos anos subsequentes levaram a que em 1873 o preço do alqueire de batatas oscilasse entre 140 e 180 réis.
Em 1883, o quilo de batata custava 9 réis, em 1889 desceu para 6 réis o quilo, no ano de 1906 subiu para nove réis, em 1910 e 1912 o quilo vendia-se 18 réis, em 1915 era vendido a $33 centavos, no ano de 1924 o preço subiu enormemente ascendendo a 1$70 por quilo, em 1930 o quilo custava $65 centavos, e $70 centavos em 1932, no ano de 1938 a batata nacional pagava 1 centavo de taxa por cada quilo, a batata estrangeira 2 centavos, o mesmo acontecendo no ano 1952.
As mesmas actas e tabelas de taxas oferecem dados a permitirem dizer que a batata a partir dos finais do século XIX passou a produto alimentar prioritário na dieta do dia a dia da generalidade dos bragançanos, em anos de crise surgia a escassez derivada de perturbações sociais, em virtude de conflitos mundiais, das más colheitas e dos efeitos de catástrofes naturais, vinha o racionamento provocando toda a casta de mazelas.
O tubérculo oriundo do Novo Mundo atenuava a quase permanente falta de tudo, quase se pode afirmar que conseguia “tapar o sol com uma peneira”. O bragançano Artur Mirandela no livro Trás-os-Montes: Pessoas e Bichos, refere: “Eu e o meu Zé até nos sentimos fartos só em ver comer a garotada! E olhe que não são como os filhos dos ricos, que nunca têm apetite! Os meus roçam tudo quanto lhes puser na frente. Cozo-lhes uma potada de batatas com a casca e aquilo é um regalo enxergá-los a comer!” Bom exemplo das dificuldades observadas pelo autor bragançano.
Deve-se a Francisco Pizarro a descoberta da batata no Peru, tendo chegado a Espanha em 1534. Passado meio século Walter Raleigh, amado por Isabel I de Inglaterra, também a descobriu na Virgínia Ocidental.
Nos Andes representada em numerosas espécies, alimentava os povos nativos o que muito espantou os recém-chegados colonizadores espanhóis.
A batata não suscitou desconfianças apenas em Trás-os-Montes, também aconteceu o mesmo noutros lugares da Europa, caso da França, tendo sido Parmentier (especialista em castanhas) o seu grande divulgador e defensor, pois os ditos refinados consideravam-na como alimento perigoso, ordinário, bom para os porcos, pobres, pedintes e soldados.
O incansável Parmentier viu os seus esforços recompensados quando em 1793, a Comuna por decreto de 21 ventósio impunha o recenseamento das hortas de luxo a fim de as destinar ao cultivo de batatas.
A batata ganhou representatividade, passou a alimento base em muitos países, daí as trágicas consequências para os Irlandeses quando sucessivas más colheitas fizeram deflagrar a fome, a miséria, a morte, obrigando a sucessivas vagas de emigração com destino aos Estados Unidos.
Na qualidade de legume come-se sempre cozido, enquanto produto transformado surge em batatas fritas, purés, flocos e sopas, servindo de acompanhamento a quase todas as carnes e peixes, saladas, é requestada na pastelaria, concede consistência a caldos, croquetes e pão de cozinha. Entra na composição de chocolates, as flores da batata forneciam uma tintura amarela, as folhas secas substituíam as de tabaco em situações de crise, a medicina natural confere-lhe virtudes curativas.
A batata é referência específica de inúmeras regiões, mesmo de países, (existem museus a ela dedicados, um feriado na Dinamarca) estando na base de pratos tradicionais da cozinha regional, no caso de Bragança, das prazenteiras batatas com bacalhau. As batatas fritas dispensam comentários, Bruxelas é a sua capital. O museu vale uma visita, os belgas consomem 200 quilos de batata por habitante em cada ano.
É um dos alimentos mais baratos e de elevado rendimento, razão a conceder-lhe entrada no reduzido número de produtos estratégicos de nutrido grupo de países dos cinco continentes. Denominada papa ou papas pelos habitantes do Peru, a batata entra na composição de milhares de receitas. No domínio das bebidas, os licores e a vodka são bons exemplos A batata merece trazer a terreiro a Ode à Papa, do chileno Pablo Neruda.


Profunda/ e suave és, polpa pura, puríssima... rosa branca/ enterrada.../,,,inimiga da fome/ em todas as nações.../...heroína da noite/ subterrânea, tesouro interminável/ dos povos...

Armando Fernandes

Comeres Bragançanos e Transmontanos
Publicação da CMB

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