sábado, 24 de outubro de 2015

A Esteva


Conhece a Esteva? Aquele mato de flores brancas tão comum nos nossos campos? Pensava que a Esteva não é mais do que um simples arbusto transitório sem importância? Pensava? Então leia esta surpresa.
Ensinaram-me, quando comecei a estudar ecologia que a esteva, ou xara como é conhecida em algumas regiões próximas da fronteira com a Espanha, era um indicativo da chegada à fase final da degradação de muitos dos nossos biotopos.
Com efeito, quando os sulcos sucessivos do arado, em busca da cama para o trigo, acabaram por deixar à superfície pouco mais do que a rocha-mãe, a qual ficou exposta à impiedosa soalheira ou aos invernosos frios arrancados do coração da Meseta, que ser vivo há, capaz de resistir a tais rigores? A esteva.
Que, a pouco e pouco, perserverante, com uma vontade inquebrável, nascendo às vezes nos intervalos das rochas, rasgando chão por entre as fendas dos xistos, consegue sobreviver. Depois instalar-se e, finalmente, cobrir encostas e encostas outrora deixadas nuas pelo abuso dos homens. E o aroma vigoroso do seu ládano passa a encher de Verão as noites quentes. E as magras folhas, cobertas de goma, resistindo ao calor do Sol, criam, a pouco e pouco, sombra. Onde nasce tojo, rosmaninho, pilriteiro, aqui e ali catapereiro, silvados e um conjunto sucessivo de arbustos onde os pássaros fazem ninho. Onde o coelho se furta das vistas de uma águia. Onde a perdiz refugia os perdigotos que escapam assim de morrer desidratados.
Onde o javali encontra refúgio e comida revolvendo o solo já formado em torno das raízes. Rico em insectos e larvas que a galinhola, escapada aos frios setentrionais, também não desconhece.
Quando o homem recomeça, um dia, a arrancar a esteva - e foi com ela que durante séculos aqueceu o forno do pão dá-se conta que por entre aquele matagal, aparentemente monótono, vêm já irrompendo azinheiras e sobreiros, nascidos das landes e bolotas deixadas por algum gaio, ou pombo, ou outro qualquer dos recursos maravilhosos de que a natureza deitou mão.
Voltou o montado!
Voltaram os densos matos mediterrânicos e toda a riqueza faunística que os acompanha. E eis que então, com o despontar da Primavera, com o renascer do campo, aparece a serra coberta de um enorme manto branco. Flores de pétalas imaculadas umas, outras marcadas por um pequeno coração vermelho-sangue.
Flores que atraem as abelhas mas que também ajudam a cerva a dar mais leite à cria.
Flores que gerarão as cápsulas que irão ajudar a fazer do cervato o veado de amanhã. O senhor da serra e das várzeas, cujo berro da brama encherá os vales no Setembro próximo!
Da esteva, da modesta e pobre esteva, brotou toda a esperança...

João Filipe Flores Bugalho

2 comentários:

  1. ESTEVA - A FLOR BRANCA COM AS CINCO CHAGAS DE CRISTO.
    Coisas da natureza para nos lembrar que neste mundo decadente... brotou uma eterna esperança.

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  2. Lindo este texto e muito didáctico! Numa simples flor, por sinal muito simples e bonita, o gérmen da resistência na renovação da vida e da esperança nela. Bem hajam por esta lição de vida através do exemplo de uma simples flor- A ESTEVA!





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